Para quem não sabe, a mucura é um tipo de gambá da Amazônia. Quando escrevi esta fábula estava ainda na faculdade. O tema: "...não chore pelo leite derramado" foi proposto pela querida professora Cátia Wanckler, no curso de Literatura Infanto-Juvenil. A história acabou virando um sucesso entre as crianças da escola onde trabalhei com o projeto Biblioteca Ambulante. Espero que os leitores gostem. Apesar de publicar na categoria ENSAIOS, o texto já foi publicado no site Recanto das Letras, e bem aceito. Tenho um projeto futuro que envolverá apenas fábulas. Fábulas de Tindarsam.
A FÁBULA DA GARÇA E DA MUCURA
Com a fibra da folha do buriti, a garça amarrou o pezinho da mucura, para que ela não fugisse do ninho. Desesperadamente ela voou por florestas, campos, montes e savanas, colhendo respostas em vários cantos. Pediu conselhos às corujas, macacos-barrigudos, araras e onças. Mas só obteve quatro respostas:
No meio de um grande buritizal, no pé mais alto e vistoso que havia, fora construído um ninho repleto de penugens brancas que agora eram douradas pelo sol. Nele a mãe garça vigiava atenciosamente seus ovinhos, sua primeira ninhada, cujos sonhos foram depositados em cada um deles.Certa tarde, dona mucura apareceu para uma visita inesperada; tinha a cara afocinhada de fome e uma angustia que lhe vazava dos olhos. De um modo sorrateiro, ela disse:
— Venho das planícies verdejantes com uma notícia muito importante. Quando a aurora da lua surgir, todas as garças se reunirão para uma festa.
A mãe garça, mesmo surpresa com a visita, adorou a notícia. Sempre participou de todos os festejos nos garçais. Então, em sua inocência, pediu que dona mucura cuidasse de seus ovinhos até ela voltar. A mucura gargalhou dentro de si maldosamente, e quando a garça se virou e desapareceu, ela deu uma risada zombeteira.
É claro que não havia nenhuma festa, nem garças reunidas, nem sequer o brilho perolado da lua. Era inverno e as nuvens cinzentas turvavam o céu! Constatando que fora enganada, a mãe garça voltou envergonhada para o buritizeiro.
Dos três ovinhos marfins que adormeciam no ninho, somente um restara. Dona mucura se satisfez apenas com dois, mas como foi pega de surpresa, ameaçou comer o terceiro, caso a garça lhe atacasse com o bico.
Então, como se achava esperta, a mucura lhe propôs uma adivinha que a garça furiosa acabou consentindo:
— Diga-me logo, seu bicho desprezível — retrucou ela.
— Existem cinco coisas que não se recuperam. Descubra o que são elas, e eu te deixarei que me mates, e ainda poderás ficar com teu ovinho e te vingar pela vida dos outros dois — falou, segurando com as garras o ovo que sobrara.
— Há cinco coisas que não voltam mais — falou mãe garça à mucura — A pedra depois de atirada, a palavra depois de proferida, a ocasião depois de perdida e o tempo depois de passado.
— E a quinta coisa, qual é? Qual é?! — insistiu a mucura, estremecendo — Diga-me, diga-me logo!
Mas a garça percebendo que fora enganada outra vez, e que a mucura escondia alguma coisa atrás de si, disse:
— O ovo depois de quebrado...
A mucura empalideceu. Havia faltado com sua promessa, e antes de levar uma bicada bem no coração, disse à mãe garça: “Tu demoraste muito, não resisti e comi o último ovo que havia. Lembra-te que podes ter outra ninhada. ”
Muitos vêm até nós para enganar, roubar ou destruir nossos planos. Não choremos sobre o leite derramado, pois a vida nos prepara a primeira vez pra que não erremos a segunda.
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